terça-feira, 4 de junho de 2013

Fontainhas e Guardes

A palavra Fontainhas nos documentos antigos ocorre no singular e até no masculino: Fontainha, Fontainho. E designava um vago e largo espaço. A forma feminina e plural parece ser adopção bastante recente: em finais do séc. XIX era ainda comum escrever-se Fontainha.

Parece ter sido esta inscrição do edifício da estação do caminho-de-ferro que fixou o nome Fontainhas na sua forma de plural.

Em 1215, Afonso, prior de S. Simão, fez contrato de concessão dum moinho a João Martins e sua esposa, D. Maria (tratar-se-ia de gente algo nobre), extensivo a seus filhos e netos. Este moinho ficava em Fontaíno (Fontainho). Em 1270, talvez a mesma D. Maria, já viúva, com um genro e uma filha, emprazam o moinho a Pedro Miguéis e esposa. Este segundo documento foi lavrado pelo tabelião de Rates.
Vejam-se as duas primeiras frases destes documentos em tradução nossa:

Em nome de Deus, amém.
É este o acordo de firmeza perpétua que eu, prior D. Afonso, de S. Simão, com o meu convento, fazemos a ti, João Martins, e tua esposa, D. Maria, e aos vossos filhos e netos, a saber, dos nossos moinhos que possuímos em Gargias, onde chamam Fontaíno, e estão fixos na margem do Este.

E agora também as frases iniciais de 1270:

Em nome de Deus, amém.
Sabido seja a todos que este acordo virem e ouvirem que eu, D. Maria, juntamente com o meu genro, Pedro Peres, e com a sua esposa, Maria Amada, minha filha, vos damos e emprazamos a vós, João Miguéis, e vossa esposa, Maria Anes, e a vós, João Peres, e vossa esposa, Maria Mateus, e a vós, Domingos Peres do Outeiro, e à vossa esposa, Durance Peres, toda a nossa metade que possuímos nos moinhos de Fontaíno, em Gardas[1].

O Mons. José Augusto Ferreira, no seu opúsculo A Igreja e o Estado[2], copia um documento de 1181 atribuído a D. Afonso Henriques que, na delimitação do Couto do Mosteiro da Junqueira, menciona as Fontainhas, chamando-lhe Fontaína (Fontainha). Os limites do couto vinham da “foz do Este, pelo rio Ave acima até ao rio da Povoação, e daí até ao cume do monte de Lobos, e daí até ao porto de Fontaína”…[3]

Parece que a Fontainha ou Fontainho do tempo era uma área bastante ampla: começava no rio, penetrava em Rates e porventura em Macieira. Por outro lado, o porto (o vau) da Fontainha e a ponte de Grades ficariam no mesmo lugar…
Mas a palavra Fontainha ou semelhante desaparece dos documentos posteriores durante muito tempo. Assim acontece no Tombo da Comenda de 1608. Ao fazer-se a delimitação da freguesia com Macieira e Rates, escreve-se:

Desce direito ao Outeiro da Mamoa de Este; e daí, águas vertentes, até dar na estrada que vai de Barcelos para o Porto, numa cruz que está diante da Venda do Torrão, entre Guardãs, partindo com a Comenda de S. Pedro de Rates; e da dita cruz, deixa a estrada que vai de Barcelos para o Porto até dar num marco que está no pomar de Manuel Pires, vendeiro da venda do Torrão, ao pé duma cerejeira.

Outro tanto aconteceu em 1542:

Desta cangosta do Vale de Flores, parte entre Balasar e Arcos e vai sempre pelo ribeiro abaixo até às bouças do Reguengo e dali pelo valo da bouça, pelos valos, direito ao rio, até Aguaceiros e de Aguaceiros abaixo até ao rio, e ficam as bouças da Quintã de Grefonso de Balasar, e do rio vai para abaixo do Ruingala um pouco até à cangosta e pela cangosta à pedra do couto.

Guardãs (a escrita do tombo de 1606 é deficiente, ao menos segundo a cópia que possuímos) e Guardas serão Guardes…
A Venda do Torrão (mais tarde, do Feiticeiro) será a antepassada da Estalagem do Torto (se é que não são a mesma coisa) que o P.e Leopoldino menciona, mas ficaria em Macieira, onde há o campo do Feiticeiro…
Num assento paroquial de Balasar, de 1782, menciona-se um “António Fernandes, da Vila de Rates, do lugar da Fontainha”. Conhecem-se ratenses com o apelido Fontainha.
Nas Fontainhas há três marcos da Casa de Bragança, que certamente já lá estavam em 1831, embora não fossem referidos: delimitavam o antigo reguengo de Agistrim face à Comenda de Rates. Sabemos que houve outros nas proximidades.


[1] O nome João Peres encontra-se nas Inquirições.
Estes documentos estão publicados no livro de Sérgio Lira, O Mosteiro da Junqueira – II (Colecção documental), colecção História Local, Vila do Conde, 2002.
Parece que houve tempo em que Guardinhos era mais representativo que Guardes; a situação ter-se-á depois alterado.
[2] FERREIRA, Mons. José Augusto, A Igreja e o Estado, Col. Ciência e Religião, Liv. Povoense Editora, 1913.
[3]per ipsam focem de Alister e inde per flumen Ave sursum usque rivulum de Apopulatione et inde usque ad verticem montis de Lupis et inde usque ad ipsum portum de Fontaina.

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