No período de algumas décadas, as
Fontainhas beneficiaram de iniciativas ou acontecimentos que marcaram o lugar. Tudo
começou com a construção da linha do caminho-de-ferro da Póvoa para Famalicão.
A princípio ela terminava ali, mas a construção da estação, que servia Balasar,
Macieira, Negreiros e parte de Arcos e de Rates, etc., punha estas terras em
contacto facilitado com a Póvoa e mesmo com o resto do País. Tal constituiu um
começo novo para o lugar.
No caderno dos eleitores de 1886 documenta-se
um gesto que se pode considerar simbólico: Manuel de Antas, chefe da estação
das Fontainhas, é incluído no fim da
lista por reclamação do próprio. Era o lugar a exigir ser visto e ouvido.
Em 1889, era chefe da estação, na Fontainha, Manuel Galo de Oliveira.
Entre 1892 e 1895, assinala-se um José
Francisco de Carvalho, vendeiro na Fontainha,
primeiro, e depois nas Fontainhas.
Entre 1895 e 1904, Justino da Silva Campos era vendeiro
na Fontainha.
Em 1908, era aí ferreiro Alfredo
Fernandes da Costa, solteiro, de 30 anos.
O que lá se não assinala são lavradores[1].
Manuel Ferreira da Silva e Sá é um daqueles balasarenses adoptivos a quem a
freguesia muito deve. Natural de Leça de Palmeira, veio para chefe da estação
das Fontainhas em 1 de Novembro de 1900 e aí assentou
definitivamente arraiais. Figura também nos cadernos eleitorais.
Muito dinâmico e
culto – abandonara os estudos quando lhe faltava apenas um ano para concluir o
curso de Engenharia – a ele se deve a fundação, em 1903, de um Grupo Cénico que
levou ao palco dramas sacros e comédias hilariantes; em 1913, de uma Escola de
Ginástica, gratuita; em 1923, do Clube dos Caçadores, que chamava grande concurso de
gente para as disputas aos tiros aos pombos; em 1924, da Tuna, que foi um bom
elemento de propaganda local, pelos concertos dados aqui e em outros locais do
País, como Famalicão, Guimarães, Amarante, etc., sendo muito apreciado o grupo
artístico regido pelo fundador, que era músico distinto; e, para coroar a sua
obra patriótica, em 4 de Janeiro de 1929, iniciou a feira semanal, auxiliado
pelos lavradores Srs. Joaquim António Machado, João Domingues de Azevedo, José
António de Sousa Ferreira, Luís Murado Torres, João de Sousa Ferreira e António
Murado, conseguindo da Câmara a abertura da avenida que liga a estrada nacional
ao largo da feira.
Qualquer das iniciativas aqui
mencionadas espanta-nos pelo arrojo deste homem que apostou no associativismo e
na modernização da freguesia.
Durante anos, houve em Balasar um
notável interesse muito pelo teatro que certamente nasceu do Grupo Cénico por
ele fundado.
O
Chefe Sá faleceu em 4 de Junho de 1936. Nessa altura um tal D. Araújo manifestou
no Ideia Nova o apreço que lhe dedicava:
Acaba de deixar
este mundo, em casa de seu extremoso genro e inteligente Presidente da Comissão
de Freguesia da União Nacional de Balasar, Sr. José António de Sousa Ferreira,
o saudoso Manuel Sá, que foi chefe - lugar que sempre desempenhou com aprumo -
da estação de Fontainhas da Companhia dos C. de F. do Norte de Portugal.
Homem de
«inteligência límpida e serena», de copiosos conhecimentos, cheio de acção mas
«prudente nos seus projectos», de uma sincera modéstia que o caracterizava, de
coração verdadeiramente esmoler, que ao toque da mais subtil indigência se
desfazia em puras generosidades, de uma paciência que era só dele, excepcional,
deveras apreciável, foi e é por todos admirado e respeitado.
Paladino do
progresso da sua terra, da harmonia, do bem-estar, do bem viver, muito
trabalhou abnegadamente, não com o intuito de ganhar prestígio, mas para que
pudesse, com isso, proporcionar, alvejando, um pouco de desafogo, um pouco de
alegria, um pouco de honesto e justo divertimento a todos aqueles que à sua
volta, quotidianamente, lutavam e lutam pela vida.
E assim pelo
preço de muitos esforços, de muito labor, de muitas canseiras, de muito
dispêndio de dinheiro, conseguiu, e em 1928 inaugurou, com todos os necessários
requisitos, um mercado-feira, entre invejas, apatias e aversões,
facilmente desprezadas pela sua especial tenacidade e desassombro; em 1926,
fundou um Teatro que, por várias vezes, foi entusiasticamente aplaudido, mesmo
fora da terra; em 1923, constituiu apaixonadamente uma orquestra, que guiou e
amparou carinhosamente, merecendo os devidos louvores em Braga, Guimarães,
Amarante, Santo Tirso, Taipas, etc.; criou uma «Escola de Tiro» ou «Torneio aos
Pombos», em 1921, onde foram disputados valiosos prémios por atiradores
insignes, como Dr. Elísio de Castro, Baptista de Sá, o grande director de tiro,
etc.; foi um dos fundadores e regente da Tuna dos empregados do Caminho de Ferro
do P. à P. e Famalicão; enfim, perdeu Balasar e portanto a Póvoa um modelo de
trabalho, de disciplina, de iniciativa, digno até de ser estudado e imitado por
quem se sinta encorajado de continuar a sua obra.
Além de músico
exímio, foi um excelente atirador. Concorreu a vários torneios do país e neles
mereceu o justo prémio do seu saber, de sua arte de atirar.
Balasar,
portanto, deve-lhe dedicar, embora modesta, uma memória, como preito de
gratidão e estima.
A Feira
A mais antiga notícia sobre a Feira das
Fontainhas, encontrámo-la n’A Defesa,
de 4 de Novembro de 1928. É o anúncio do projecto com o título de “Nova Feira”.
Deve ser autor do escrito o secretário da Junta, Cândido Manuel dos Santos:
Os fundadores
da Feira das Fontainhas. São estes os seus nomes: sentados – João Domingues de
Azevedo, Joaquim António Machado e António Lopes de Sousa Campos; de
pé – Luís Murado Torres, João de Sousa Ferreira, José António de Sousa Ferreira
e Manuel Ferreira da Silva Sá. Todos os retratados estão de cabeça coberta e
usam bigode.
Um importante grupo de habitantes de
Balasar, com o intuito de criar no lugar das Fontainhas uma feira quinzenal de
gado e produtos agrícolas, vai dirigir-se à Câmara Municipal deste concelho
pedindo-lhe a sua colaboração na realização de tão grande melhoramento.
Desse grupo fazem parte os Srs. José
António de Sousa Ferreira, João de Sousa Ferreira Júnior, Carlos da Costa Reis,
Joaquim António Machado, João Domingues de Azevedo, Luís Murado Torres, José
Joaquim Rodrigues, António Alves dos Santos, Carlos Gomes dos Santos Reis,
Joaquim da Silva Ribeiro, Manuel Ferreira da Silva e Sá e as firmas J. Cancela
e Filhos, J. Ferreira e Irmão, Gomes e C.ª, Cancela e C.ª, que se propõe
agregar a si novos elementos de valor.
O ponto escolhido para realização da
feira é muito central e dista 15 quilómetros da Póvoa e 12 de Famalicão, sendo
servido pelo comboio da C.C.F.N.P. e por duas estradas, uma municipal para
Barcelos e outra distrital para Famalicão, e ambas de comunicação com a Póvoa e
Vila do Conde.
Sendo o lugar das Fontainhas o centro
duma região abundantíssima em gado e ponto de reunião de comunicações de três
concelhos importantes, é de esperar que essa grande aspiração do povo laborioso
de Balasar seja em breve um facto.
Segundo a opinião da maioria da comissão
da feira, esta vai ter lugar a norte da estação ferroviária, junto à bifurcação
das duas estradas, ocupando uma grande parte da extensa mata do Sr. Joaquim
Matias (Azenha) de quem a comissão espera o seu valioso auxílio para a
efectivação duma aspiração que interessa a todos.
Com os bons elementos de que a comissão
conta e com o auxílio sempre benéfico e eficaz da Câmara da Póvoa, que muito
tem a lucrar com a realização da feira na área do seu concelho, é de esperar
que a nova feira de Balasar seja em breve um facto e um dos melhores mercados
da região.
A acta da Junta de 13 de Janeiro de 1929 aborda a questão da feira. Alguns aspectos burocráticos ainda estavam por
estabelecer, mas já tinha havido duas feiras.
A
Defesa
volta ao tema da Feira das Fontainhas em 29 de Janeiro de 1929:
Vai de vento em
popa a nova feira criada no pitoresco lugar das Fontainhas, pertencente à
freguesia de Balasar do nosso concelho. Um grupo de homens de bem, verdadeiros
patriotas e decididos trabalhadores, empenharam-se a valer nesta grande
aspiração daquele povo laborioso e bom e alcançaram o seu desideratum com retumbante êxito. José Ferreira, António Murado,
Luís Torres Murado, Joaquim António Machado, João Ferreira, Manuel de Sá e João
Azevedo são nomes que ficarão vinculados à história comercial do nosso concelho
porque, com a criação desta feira, se tornaram uns dos seus maiores
impulsionadores. (…)
Ao lado do
mercado, armam-se barracas quer de comidas e bebidas, quer ainda de objectos
que interessam à vida da agricultura. É uma feira completa, onde nada falta:
nem o folgar e cantar dos novos, nem a visita do rico argentário e a presença
do trabalhado humilde contratador que vai ali comprar as coisas para ganhar a
vida. (…)
Feira de gado nas Fontainhas. Perto do extremo
esquerdo da fotografia, quase em último plano, vê-se uma casa. Tratar-se-á da
Estalagem do Torto?
Em 30 de Maio, a “Feira das Fontainhas”
volta a ser tema do mesmo semanário poveiro para falar da feira anual, com certeza a primeira. É possivelmente o mesmo Cândido
Manuel dos Santos quem dá largas ao seu entusiasmo pelo êxito do evento:
Foi muito
concorrida a feira anual das Fontainhas, na freguesia de Balasar deste
concelho, contando-se por alguns milhares as pessoas que a visitaram. De
parabéns deve estar pelo êxito alcançado a comissão promotora a que preside o
Sr. Joaquim António Machado, um novo cheio de vida e de prestígio, e é formada
pelo Sr. Manuel Ferreira da Silva e Sá, zeloso chefe da estação, José António
de Sousa Ferreira, João Ferreira de Sousa Júnior, António Lopes de Sousa Campos
Furtado, João Domingues de Azevedo e Luís Murado Torres.
Por causa do
movimento extraordinário das sextas-feiras de cada semana, foi alargado o
caminho que da bifurcação das estradas dá para o vasto local da feira. Para
esse grande melhoramento concorreram a
comissão e o Sr. Dr. Joaquim Alves Torres, abalizado advogado desta comarca,
obtendo dos Srs. António Lopes da Silva e e Joaquim Martins (Azenha) o terreno.
Em todo o largo da feira, apresentam-se barracas de todos os tamanhos e feitios
onde se vêem relojoarias, joalharias, mercearias e fazendas, salsicharias,
modas e confecções, miudezas, barbearias, hotéis (?) e casas de pasto, tamancarias e sapatarias, secções de legumes,
sementes, frutas, quinquilharias, etc.
Na feira do gado
estavam mais de 500 expositores de todas as freguesias deste concelho e de
muitas de Famalicão, Barcelos, Maia, Vila do Conde, Santo Tirso, Esposende e
Matosinhos. O gado cavalar enchia por completo o espaço da feira que lhe estava
reservado. O júri era formado pelos Srs. Duarte Maria Pinheiro de Menezes, de
Gondifelos; José Joaquim Domingues de Azevedo, de Rio Mau; José Fernandes
Ribeiro, de Guimarães; José Ferreira da Fonte, de Rates; e Januário Ferreira de
Sousa, também de Rates: reunido no pavilhão do Clube de Caçadores, levantado no
largo da feira, depois de uma demorada revista passada ao gado que concorreu
aos prémios, deu a seguinte classificação: à melhor junta de bois gordos, do
Sr. José Faria, de Grimancelos, primeiro prémio; à imediata, do Sr. José
Joaquim Machado, de Balasar, segundo prémio; à melhor junta de touros de quatro
dentes, do Sr. José Araújo da Costa e Sá, de Lemenhe, primeiro prémio; à
imediata, do Sr. António da Silva Lopes, de Balasar, segundo prémio; à melhor
junta de novilhos, do Sr. José Alves da Costa, de Rio Mau, primeiro prémio; à
imediata, do Sr. Joaquim Machado, de Balasar, segundo prémio; à melhor vaca
barrosã, do Sr. António da Silva Lopes, de Balasar, primeiro prémio; à
imediata, do Sr. Manuel de Azevedo, segundo prémio; à melhor vaca leiteira, do
Sr. José Alves da Costa, de Rio Mau, primeiro prémio; à imediata, do Sr. Manuel
Martins Pedrosa, de Amorim, segundo prémio; ao touro barrosão, do Sr. Manuel
Lopes da Silva, primeiro prémio; ao imediato, do Sr. Duarte Menezes, segundo
prémio.
Os prémios
conferidos aos melhores expositores de gado cavalar couberam aos Srs. António
Ferreira de Melo, da Igreja Nova; José da Silva, de Soutelo; e José da Silva
Lopes.
A comissão
promotora da feira às autoridades e outros convidados um lauto banquete, numa
espaçosa garagem construída junto da residência do Sr. José António de Sousa
Ferreira. Tomaram parte no banquete perto de 100 pessoas, ocupando a mesa de
honra os Srs. Presidente da Câmara, Administrador do Concelho, Capitão Massano,
Presidente da Associação Comercial, António Caimoto, Chefe Cardoso, etc.
Fizeram-se vários brindes, tocando durante a feira, em elegante coreto, a tuna
de Fradelos, Famalicão.
Isto parece mais uma exposição, um
certame, misto de feira e parada agrícola. Uma feira não se faz só com oferta,
é preciso procura e essa manter-se-ia fiel aos tradicionais mercados de
Famalicão, Barcelos e Vila do Conde.
Houve aqui exageros, esbanjamento: quem
pagava todas estas despesas? Certamente a comissão. Pelo meio do século a feira descaiu e extinguiu-se.
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