terça-feira, 4 de junho de 2013

Recomeço

No período de algumas décadas, as Fontainhas beneficiaram de iniciativas ou acontecimentos que marcaram o lugar. Tudo começou com a construção da linha do caminho-de-ferro da Póvoa para Famalicão. A princípio ela terminava ali, mas a construção da estação, que servia Balasar, Macieira, Negreiros e parte de Arcos e de Rates, etc., punha estas terras em contacto facilitado com a Póvoa e mesmo com o resto do País. Tal constituiu um começo novo para o lugar.
No caderno dos eleitores de 1886 documenta-se um gesto que se pode considerar simbólico: Manuel de Antas, chefe da estação das Fontainhas, é incluído no fim da lista por reclamação do próprio. Era o lugar a exigir ser visto e ouvido.
Em 1889, era chefe da estação, na Fontainha, Manuel Galo de Oliveira.
Entre 1892 e 1895, assinala-se um José Francisco de Carvalho, vendeiro na Fontainha, primeiro, e depois nas Fontainhas.
Entre 1895  e 1904, Justino da Silva Campos era vendeiro na Fontainha.
Em 1908, era aí ferreiro Alfredo Fernandes da Costa, solteiro, de 30 anos.
O que lá se não assinala são lavradores[1].

Manuel Ferreira da Silva e

Manuel Ferreira da Silva e Sá é um daqueles balasarenses adoptivos a quem a freguesia muito deve. Natural de Leça de Palmeira, veio para chefe da estação das Fontainhas em 1 de Novembro de 1900 e aí assentou definitivamente arraiais. Figura também nos cadernos eleitorais. 
Foi um homem de múltiplos ofícios, como disso deu conta o P.e Leopoldino[2]:

Muito dinâmico e culto – abandonara os estudos quando lhe faltava apenas um ano para concluir o curso de Engenharia – a ele se deve a fundação, em 1903, de um Grupo Cénico que levou ao palco dramas sacros e comédias hilariantes; em 1913, de uma Escola de Ginástica, gratuita; em 1923, do Clube dos Caçadores, que chamava grande concurso de gente para as disputas aos tiros aos pombos; em 1924, da Tuna, que foi um bom elemento de propaganda local, pelos concertos dados aqui e em outros locais do País, como Famalicão, Guimarães, Amarante, etc., sendo muito apreciado o grupo artístico regido pelo fundador, que era músico distinto; e, para coroar a sua obra patriótica, em 4 de Janeiro de 1929, iniciou a feira semanal, auxiliado pelos lavradores Srs. Joaquim António Machado, João Domingues de Azevedo, José António de Sousa Ferreira, Luís Murado Torres, João de Sousa Ferreira e António Murado, conseguindo da Câmara a abertura da avenida que liga a estrada nacional ao largo da feira.

Qualquer das iniciativas aqui mencionadas espanta-nos pelo arrojo deste homem que apostou no associativismo e na modernização da freguesia.
Durante anos, houve em Balasar um notável interesse muito pelo teatro que certamente nasceu do Grupo Cénico por ele fundado.
O Chefe Sá faleceu em 4 de Junho de 1936. Nessa altura um tal D. Araújo manifestou no Ideia Nova o apreço que lhe dedicava:

Acaba de deixar este mundo, em casa de seu extremoso genro e inteligente Presidente da Comissão de Freguesia da União Nacional de Balasar, Sr. José António de Sousa Ferreira, o saudoso Manuel Sá, que foi chefe - lugar que sempre desempenhou com aprumo - da estação de Fontainhas da Companhia dos C. de F. do Norte de Portugal.
Homem de «inteligência límpida e serena», de copiosos conhecimentos, cheio de acção mas «prudente nos seus projectos», de uma sincera modéstia que o caracterizava, de coração verdadeiramente esmoler, que ao toque da mais subtil indigência se desfazia em puras generosidades, de uma paciência que era só dele, excepcional, deveras apreciável, foi e é por todos admirado e respeitado.
Paladino do progresso da sua terra, da harmonia, do bem-estar, do bem viver, muito trabalhou abnegadamente, não com o intuito de ganhar prestígio, mas para que pudesse, com isso, proporcionar, alvejando, um pouco de desafogo, um pouco de alegria, um pouco de honesto e justo divertimento a todos aqueles que à sua volta, quotidianamente, lutavam e lutam pela vida.
E assim pelo preço de muitos esforços, de muito labor, de muitas canseiras, de muito dispêndio de dinheiro, conseguiu, e em 1928 inaugurou, com todos os necessários requisitos, um mercado-feira, entre invejas, apatias e aversões, facilmente desprezadas pela sua especial tenacidade e desassombro; em 1926, fundou um Teatro que, por várias vezes, foi entusiasticamente aplaudido, mesmo fora da terra; em 1923, constituiu apaixonadamente uma orquestra, que guiou e amparou carinhosamente, merecendo os devidos louvores em Braga, Guimarães, Amarante, Santo Tirso, Taipas, etc.; criou uma «Escola de Tiro» ou «Torneio aos Pombos», em 1921, onde foram disputados valiosos prémios por atiradores insignes, como Dr. Elísio de Castro, Baptista de Sá, o grande director de tiro, etc.; foi um dos fundadores e regente da Tuna dos empregados do Caminho de Ferro do P. à P. e Famalicão; enfim, perdeu Balasar e portanto a Póvoa um modelo de trabalho, de disciplina, de iniciativa, digno até de ser estudado e imitado por quem se sinta encorajado de continuar a sua obra.
Além de músico exímio, foi um excelente atirador. Concorreu a vários torneios do país e neles mereceu o justo prémio do seu saber, de sua arte de atirar.
Balasar, portanto, deve-lhe dedicar, embora modesta, uma memória, como preito de gratidão e estima. 


A Feira

A mais antiga notícia sobre a Feira das Fontainhas, encontrámo-la n’A Defesa, de 4 de Novembro de 1928. É o anúncio do projecto com o título de “Nova Feira”. Deve ser autor do escrito o secretário da Junta, Cândido Manuel dos Santos:
Os fundadores da Feira das Fontainhas. São estes os seus nomes: sentados – João Domingues de Azevedo, Joaquim António Machado e António Lopes de Sousa Campos; de pé – Luís Murado Torres, João de Sousa Ferreira, José António de Sousa Ferreira e Manuel Ferreira da Silva Sá. Todos os retratados estão de cabeça coberta e usam bigode.

Um importante grupo de habitantes de Balasar, com o intuito de criar no lugar das Fontainhas uma feira quinzenal de gado e produtos agrícolas, vai dirigir-se à Câmara Municipal deste concelho pedindo-lhe a sua colaboração na realização de tão grande melhoramento.
Desse grupo fazem parte os Srs. José António de Sousa Ferreira, João de Sousa Ferreira Júnior, Carlos da Costa Reis, Joaquim António Machado, João Domingues de Azevedo, Luís Murado Torres, José Joaquim Rodrigues, António Alves dos Santos, Carlos Gomes dos Santos Reis, Joaquim da Silva Ribeiro, Manuel Ferreira da Silva e Sá e as firmas J. Cancela e Filhos, J. Ferreira e Irmão, Gomes e C.ª, Cancela e C.ª, que se propõe agregar a si novos elementos de valor.
O ponto escolhido para realização da feira é muito central e dista 15 quilómetros da Póvoa e 12 de Famalicão, sendo servido pelo comboio da C.C.F.N.P. e por duas estradas, uma municipal para Barcelos e outra distrital para Famalicão, e ambas de comunicação com a Póvoa e Vila do Conde.
Sendo o lugar das Fontainhas o centro duma região abundantíssima em gado e ponto de reunião de comunicações de três concelhos importantes, é de esperar que essa grande aspiração do povo laborioso de Balasar seja em breve um facto.
Segundo a opinião da maioria da comissão da feira, esta vai ter lugar a norte da estação ferroviária, junto à bifurcação das duas estradas, ocupando uma grande parte da extensa mata do Sr. Joaquim Matias (Azenha) de quem a comissão espera o seu valioso auxílio para a efectivação duma aspiração que interessa a todos.
Com os bons elementos de que a comissão conta e com o auxílio sempre benéfico e eficaz da Câmara da Póvoa, que muito tem a lucrar com a realização da feira na área do seu concelho, é de esperar que a nova feira de Balasar seja em breve um facto e um dos melhores mercados da região.

A acta da Junta de 13 de Janeiro de 1929 aborda a questão da feira. Alguns aspectos burocráticos ainda estavam por estabelecer, mas já tinha havido duas feiras.
A Defesa volta ao tema da Feira das Fontainhas em 29 de Janeiro de 1929:

Vai de vento em popa a nova feira criada no pitoresco lugar das Fontainhas, pertencente à freguesia de Balasar do nosso concelho. Um grupo de homens de bem, verdadeiros patriotas e decididos trabalhadores, empenharam-se a valer nesta grande aspiração daquele povo laborioso e bom e alcançaram o seu desideratum com retumbante êxito. José Ferreira, António Murado, Luís Torres Murado, Joaquim António Machado, João Ferreira, Manuel de Sá e João Azevedo são nomes que ficarão vinculados à história comercial do nosso concelho porque, com a criação desta feira, se tornaram uns dos seus maiores impulsionadores. (…)
Ao lado do mercado, armam-se barracas quer de comidas e bebidas, quer ainda de objectos que interessam à vida da agricultura. É uma feira completa, onde nada falta: nem o folgar e cantar dos novos, nem a visita do rico argentário e a presença do trabalhado humilde contratador que vai ali comprar as coisas para ganhar a vida. (…)
Feira de gado nas Fontainhas. Perto do extremo esquerdo da fotografia, quase em último plano, vê-se uma casa. Tratar-se-á da Estalagem do Torto?

Em 30 de Maio, a “Feira das Fontainhas” volta a ser tema do mesmo semanário poveiro para falar da feira anual, com certeza a primeira. É possivelmente o mesmo Cândido Manuel dos Santos quem dá largas ao seu entusiasmo pelo êxito do evento:

Foi muito concorrida a feira anual das Fontainhas, na freguesia de Balasar deste concelho, contando-se por alguns milhares as pessoas que a visitaram. De parabéns deve estar pelo êxito alcançado a comissão promotora a que preside o Sr. Joaquim António Machado, um novo cheio de vida e de prestígio, e é formada pelo Sr. Manuel Ferreira da Silva e Sá, zeloso chefe da estação, José António de Sousa Ferreira, João Ferreira de Sousa Júnior, António Lopes de Sousa Campos Furtado, João Domingues de Azevedo e Luís Murado Torres.
Por causa do movimento extraordinário das sextas-feiras de cada semana, foi alargado o caminho que da bifurcação das estradas dá para o vasto local da feira. Para esse grande melhoramento concorreram  a comissão e o Sr. Dr. Joaquim Alves Torres, abalizado advogado desta comarca, obtendo dos Srs. António Lopes da Silva e e Joaquim Martins (Azenha) o terreno. Em todo o largo da feira, apresentam-se barracas de todos os tamanhos e feitios onde se vêem relojoarias, joalharias, mercearias e fazendas, salsicharias, modas e confecções, miudezas, barbearias, hotéis (?) e casas de pasto, tamancarias e sapatarias, secções de legumes, sementes, frutas, quinquilharias, etc.
Na feira do gado estavam mais de 500 expositores de todas as freguesias deste concelho e de muitas de Famalicão, Barcelos, Maia, Vila do Conde, Santo Tirso, Esposende e Matosinhos. O gado cavalar enchia por completo o espaço da feira que lhe estava reservado. O júri era formado pelos Srs. Duarte Maria Pinheiro de Menezes, de Gondifelos; José Joaquim Domingues de Azevedo, de Rio Mau; José Fernandes Ribeiro, de Guimarães; José Ferreira da Fonte, de Rates; e Januário Ferreira de Sousa, também de Rates: reunido no pavilhão do Clube de Caçadores, levantado no largo da feira, depois de uma demorada revista passada ao gado que concorreu aos prémios, deu a seguinte classificação: à melhor junta de bois gordos, do Sr. José Faria, de Grimancelos, primeiro prémio; à imediata, do Sr. José Joaquim Machado, de Balasar, segundo prémio; à melhor junta de touros de quatro dentes, do Sr. José Araújo da Costa e Sá, de Lemenhe, primeiro prémio; à imediata, do Sr. António da Silva Lopes, de Balasar, segundo prémio; à melhor junta de novilhos, do Sr. José Alves da Costa, de Rio Mau, primeiro prémio; à imediata, do Sr. Joaquim Machado, de Balasar, segundo prémio; à melhor vaca barrosã, do Sr. António da Silva Lopes, de Balasar, primeiro prémio; à imediata, do Sr. Manuel de Azevedo, segundo prémio; à melhor vaca leiteira, do Sr. José Alves da Costa, de Rio Mau, primeiro prémio; à imediata, do Sr. Manuel Martins Pedrosa, de Amorim, segundo prémio; ao touro barrosão, do Sr. Manuel Lopes da Silva, primeiro prémio; ao imediato, do Sr. Duarte Menezes, segundo prémio.
Os prémios conferidos aos melhores expositores de gado cavalar couberam aos Srs. António Ferreira de Melo, da Igreja Nova; José da Silva, de Soutelo; e José da Silva Lopes.
A comissão promotora da feira às autoridades e outros convidados um lauto banquete, numa espaçosa garagem construída junto da residência do Sr. José António de Sousa Ferreira. Tomaram parte no banquete perto de 100 pessoas, ocupando a mesa de honra os Srs. Presidente da Câmara, Administrador do Concelho, Capitão Massano, Presidente da Associação Comercial, António Caimoto, Chefe Cardoso, etc. Fizeram-se vários brindes, tocando durante a feira, em elegante coreto, a tuna de Fradelos, Famalicão.

Isto parece mais uma exposição, um certame, misto de feira e parada agrícola. Uma feira não se faz só com oferta, é preciso procura e essa manter-se-ia fiel aos tradicionais mercados de Famalicão, Barcelos e Vila do Conde.
Houve aqui exageros, esbanjamento: quem pagava todas estas despesas? Certamente a comissão. Pelo meio do século a feira descaiu e extinguiu-se.


[1] Há um testamento de 1881 de um Domingues da Costa, proprietário das Fontainhas. Entre as testemunhas figura Ernesto Lopes Martins, “chefe da estação das Fontainhas”.
[2] MATEUS, Leopoldino – Santa Eulália de Balasar, in Boletim Cultural Póvoa de Varzim, vol. I, nº 2, 1958, pág. 189.

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