terça-feira, 4 de junho de 2013

Fontainhas e Guardes

A palavra Fontainhas nos documentos antigos ocorre no singular e até no masculino: Fontainha, Fontainho. E designava um vago e largo espaço. A forma feminina e plural parece ser adopção bastante recente: em finais do séc. XIX era ainda comum escrever-se Fontainha.

Parece ter sido esta inscrição do edifício da estação do caminho-de-ferro que fixou o nome Fontainhas na sua forma de plural.

Em 1215, Afonso, prior de S. Simão, fez contrato de concessão dum moinho a João Martins e sua esposa, D. Maria (tratar-se-ia de gente algo nobre), extensivo a seus filhos e netos. Este moinho ficava em Fontaíno (Fontainho). Em 1270, talvez a mesma D. Maria, já viúva, com um genro e uma filha, emprazam o moinho a Pedro Miguéis e esposa. Este segundo documento foi lavrado pelo tabelião de Rates.
Vejam-se as duas primeiras frases destes documentos em tradução nossa:

Em nome de Deus, amém.
É este o acordo de firmeza perpétua que eu, prior D. Afonso, de S. Simão, com o meu convento, fazemos a ti, João Martins, e tua esposa, D. Maria, e aos vossos filhos e netos, a saber, dos nossos moinhos que possuímos em Gargias, onde chamam Fontaíno, e estão fixos na margem do Este.

E agora também as frases iniciais de 1270:

Em nome de Deus, amém.
Sabido seja a todos que este acordo virem e ouvirem que eu, D. Maria, juntamente com o meu genro, Pedro Peres, e com a sua esposa, Maria Amada, minha filha, vos damos e emprazamos a vós, João Miguéis, e vossa esposa, Maria Anes, e a vós, João Peres, e vossa esposa, Maria Mateus, e a vós, Domingos Peres do Outeiro, e à vossa esposa, Durance Peres, toda a nossa metade que possuímos nos moinhos de Fontaíno, em Gardas[1].

O Mons. José Augusto Ferreira, no seu opúsculo A Igreja e o Estado[2], copia um documento de 1181 atribuído a D. Afonso Henriques que, na delimitação do Couto do Mosteiro da Junqueira, menciona as Fontainhas, chamando-lhe Fontaína (Fontainha). Os limites do couto vinham da “foz do Este, pelo rio Ave acima até ao rio da Povoação, e daí até ao cume do monte de Lobos, e daí até ao porto de Fontaína”…[3]

Parece que a Fontainha ou Fontainho do tempo era uma área bastante ampla: começava no rio, penetrava em Rates e porventura em Macieira. Por outro lado, o porto (o vau) da Fontainha e a ponte de Grades ficariam no mesmo lugar…
Mas a palavra Fontainha ou semelhante desaparece dos documentos posteriores durante muito tempo. Assim acontece no Tombo da Comenda de 1608. Ao fazer-se a delimitação da freguesia com Macieira e Rates, escreve-se:

Desce direito ao Outeiro da Mamoa de Este; e daí, águas vertentes, até dar na estrada que vai de Barcelos para o Porto, numa cruz que está diante da Venda do Torrão, entre Guardãs, partindo com a Comenda de S. Pedro de Rates; e da dita cruz, deixa a estrada que vai de Barcelos para o Porto até dar num marco que está no pomar de Manuel Pires, vendeiro da venda do Torrão, ao pé duma cerejeira.

Outro tanto aconteceu em 1542:

Desta cangosta do Vale de Flores, parte entre Balasar e Arcos e vai sempre pelo ribeiro abaixo até às bouças do Reguengo e dali pelo valo da bouça, pelos valos, direito ao rio, até Aguaceiros e de Aguaceiros abaixo até ao rio, e ficam as bouças da Quintã de Grefonso de Balasar, e do rio vai para abaixo do Ruingala um pouco até à cangosta e pela cangosta à pedra do couto.

Guardãs (a escrita do tombo de 1606 é deficiente, ao menos segundo a cópia que possuímos) e Guardas serão Guardes…
A Venda do Torrão (mais tarde, do Feiticeiro) será a antepassada da Estalagem do Torto (se é que não são a mesma coisa) que o P.e Leopoldino menciona, mas ficaria em Macieira, onde há o campo do Feiticeiro…
Num assento paroquial de Balasar, de 1782, menciona-se um “António Fernandes, da Vila de Rates, do lugar da Fontainha”. Conhecem-se ratenses com o apelido Fontainha.
Nas Fontainhas há três marcos da Casa de Bragança, que certamente já lá estavam em 1831, embora não fossem referidos: delimitavam o antigo reguengo de Agistrim face à Comenda de Rates. Sabemos que houve outros nas proximidades.


[1] O nome João Peres encontra-se nas Inquirições.
Estes documentos estão publicados no livro de Sérgio Lira, O Mosteiro da Junqueira – II (Colecção documental), colecção História Local, Vila do Conde, 2002.
Parece que houve tempo em que Guardinhos era mais representativo que Guardes; a situação ter-se-á depois alterado.
[2] FERREIRA, Mons. José Augusto, A Igreja e o Estado, Col. Ciência e Religião, Liv. Povoense Editora, 1913.
[3]per ipsam focem de Alister e inde per flumen Ave sursum usque rivulum de Apopulatione et inde usque ad verticem montis de Lupis et inde usque ad ipsum portum de Fontaina.

Recomeço

No período de algumas décadas, as Fontainhas beneficiaram de iniciativas ou acontecimentos que marcaram o lugar. Tudo começou com a construção da linha do caminho-de-ferro da Póvoa para Famalicão. A princípio ela terminava ali, mas a construção da estação, que servia Balasar, Macieira, Negreiros e parte de Arcos e de Rates, etc., punha estas terras em contacto facilitado com a Póvoa e mesmo com o resto do País. Tal constituiu um começo novo para o lugar.
No caderno dos eleitores de 1886 documenta-se um gesto que se pode considerar simbólico: Manuel de Antas, chefe da estação das Fontainhas, é incluído no fim da lista por reclamação do próprio. Era o lugar a exigir ser visto e ouvido.
Em 1889, era chefe da estação, na Fontainha, Manuel Galo de Oliveira.
Entre 1892 e 1895, assinala-se um José Francisco de Carvalho, vendeiro na Fontainha, primeiro, e depois nas Fontainhas.
Entre 1895  e 1904, Justino da Silva Campos era vendeiro na Fontainha.
Em 1908, era aí ferreiro Alfredo Fernandes da Costa, solteiro, de 30 anos.
O que lá se não assinala são lavradores[1].

Manuel Ferreira da Silva e

Manuel Ferreira da Silva e Sá é um daqueles balasarenses adoptivos a quem a freguesia muito deve. Natural de Leça de Palmeira, veio para chefe da estação das Fontainhas em 1 de Novembro de 1900 e aí assentou definitivamente arraiais. Figura também nos cadernos eleitorais. 
Foi um homem de múltiplos ofícios, como disso deu conta o P.e Leopoldino[2]:

Muito dinâmico e culto – abandonara os estudos quando lhe faltava apenas um ano para concluir o curso de Engenharia – a ele se deve a fundação, em 1903, de um Grupo Cénico que levou ao palco dramas sacros e comédias hilariantes; em 1913, de uma Escola de Ginástica, gratuita; em 1923, do Clube dos Caçadores, que chamava grande concurso de gente para as disputas aos tiros aos pombos; em 1924, da Tuna, que foi um bom elemento de propaganda local, pelos concertos dados aqui e em outros locais do País, como Famalicão, Guimarães, Amarante, etc., sendo muito apreciado o grupo artístico regido pelo fundador, que era músico distinto; e, para coroar a sua obra patriótica, em 4 de Janeiro de 1929, iniciou a feira semanal, auxiliado pelos lavradores Srs. Joaquim António Machado, João Domingues de Azevedo, José António de Sousa Ferreira, Luís Murado Torres, João de Sousa Ferreira e António Murado, conseguindo da Câmara a abertura da avenida que liga a estrada nacional ao largo da feira.

Qualquer das iniciativas aqui mencionadas espanta-nos pelo arrojo deste homem que apostou no associativismo e na modernização da freguesia.
Durante anos, houve em Balasar um notável interesse muito pelo teatro que certamente nasceu do Grupo Cénico por ele fundado.
O Chefe Sá faleceu em 4 de Junho de 1936. Nessa altura um tal D. Araújo manifestou no Ideia Nova o apreço que lhe dedicava:

Acaba de deixar este mundo, em casa de seu extremoso genro e inteligente Presidente da Comissão de Freguesia da União Nacional de Balasar, Sr. José António de Sousa Ferreira, o saudoso Manuel Sá, que foi chefe - lugar que sempre desempenhou com aprumo - da estação de Fontainhas da Companhia dos C. de F. do Norte de Portugal.
Homem de «inteligência límpida e serena», de copiosos conhecimentos, cheio de acção mas «prudente nos seus projectos», de uma sincera modéstia que o caracterizava, de coração verdadeiramente esmoler, que ao toque da mais subtil indigência se desfazia em puras generosidades, de uma paciência que era só dele, excepcional, deveras apreciável, foi e é por todos admirado e respeitado.
Paladino do progresso da sua terra, da harmonia, do bem-estar, do bem viver, muito trabalhou abnegadamente, não com o intuito de ganhar prestígio, mas para que pudesse, com isso, proporcionar, alvejando, um pouco de desafogo, um pouco de alegria, um pouco de honesto e justo divertimento a todos aqueles que à sua volta, quotidianamente, lutavam e lutam pela vida.
E assim pelo preço de muitos esforços, de muito labor, de muitas canseiras, de muito dispêndio de dinheiro, conseguiu, e em 1928 inaugurou, com todos os necessários requisitos, um mercado-feira, entre invejas, apatias e aversões, facilmente desprezadas pela sua especial tenacidade e desassombro; em 1926, fundou um Teatro que, por várias vezes, foi entusiasticamente aplaudido, mesmo fora da terra; em 1923, constituiu apaixonadamente uma orquestra, que guiou e amparou carinhosamente, merecendo os devidos louvores em Braga, Guimarães, Amarante, Santo Tirso, Taipas, etc.; criou uma «Escola de Tiro» ou «Torneio aos Pombos», em 1921, onde foram disputados valiosos prémios por atiradores insignes, como Dr. Elísio de Castro, Baptista de Sá, o grande director de tiro, etc.; foi um dos fundadores e regente da Tuna dos empregados do Caminho de Ferro do P. à P. e Famalicão; enfim, perdeu Balasar e portanto a Póvoa um modelo de trabalho, de disciplina, de iniciativa, digno até de ser estudado e imitado por quem se sinta encorajado de continuar a sua obra.
Além de músico exímio, foi um excelente atirador. Concorreu a vários torneios do país e neles mereceu o justo prémio do seu saber, de sua arte de atirar.
Balasar, portanto, deve-lhe dedicar, embora modesta, uma memória, como preito de gratidão e estima. 


A Feira

A mais antiga notícia sobre a Feira das Fontainhas, encontrámo-la n’A Defesa, de 4 de Novembro de 1928. É o anúncio do projecto com o título de “Nova Feira”. Deve ser autor do escrito o secretário da Junta, Cândido Manuel dos Santos:
Os fundadores da Feira das Fontainhas. São estes os seus nomes: sentados – João Domingues de Azevedo, Joaquim António Machado e António Lopes de Sousa Campos; de pé – Luís Murado Torres, João de Sousa Ferreira, José António de Sousa Ferreira e Manuel Ferreira da Silva Sá. Todos os retratados estão de cabeça coberta e usam bigode.

Um importante grupo de habitantes de Balasar, com o intuito de criar no lugar das Fontainhas uma feira quinzenal de gado e produtos agrícolas, vai dirigir-se à Câmara Municipal deste concelho pedindo-lhe a sua colaboração na realização de tão grande melhoramento.
Desse grupo fazem parte os Srs. José António de Sousa Ferreira, João de Sousa Ferreira Júnior, Carlos da Costa Reis, Joaquim António Machado, João Domingues de Azevedo, Luís Murado Torres, José Joaquim Rodrigues, António Alves dos Santos, Carlos Gomes dos Santos Reis, Joaquim da Silva Ribeiro, Manuel Ferreira da Silva e Sá e as firmas J. Cancela e Filhos, J. Ferreira e Irmão, Gomes e C.ª, Cancela e C.ª, que se propõe agregar a si novos elementos de valor.
O ponto escolhido para realização da feira é muito central e dista 15 quilómetros da Póvoa e 12 de Famalicão, sendo servido pelo comboio da C.C.F.N.P. e por duas estradas, uma municipal para Barcelos e outra distrital para Famalicão, e ambas de comunicação com a Póvoa e Vila do Conde.
Sendo o lugar das Fontainhas o centro duma região abundantíssima em gado e ponto de reunião de comunicações de três concelhos importantes, é de esperar que essa grande aspiração do povo laborioso de Balasar seja em breve um facto.
Segundo a opinião da maioria da comissão da feira, esta vai ter lugar a norte da estação ferroviária, junto à bifurcação das duas estradas, ocupando uma grande parte da extensa mata do Sr. Joaquim Matias (Azenha) de quem a comissão espera o seu valioso auxílio para a efectivação duma aspiração que interessa a todos.
Com os bons elementos de que a comissão conta e com o auxílio sempre benéfico e eficaz da Câmara da Póvoa, que muito tem a lucrar com a realização da feira na área do seu concelho, é de esperar que a nova feira de Balasar seja em breve um facto e um dos melhores mercados da região.

A acta da Junta de 13 de Janeiro de 1929 aborda a questão da feira. Alguns aspectos burocráticos ainda estavam por estabelecer, mas já tinha havido duas feiras.
A Defesa volta ao tema da Feira das Fontainhas em 29 de Janeiro de 1929:

Vai de vento em popa a nova feira criada no pitoresco lugar das Fontainhas, pertencente à freguesia de Balasar do nosso concelho. Um grupo de homens de bem, verdadeiros patriotas e decididos trabalhadores, empenharam-se a valer nesta grande aspiração daquele povo laborioso e bom e alcançaram o seu desideratum com retumbante êxito. José Ferreira, António Murado, Luís Torres Murado, Joaquim António Machado, João Ferreira, Manuel de Sá e João Azevedo são nomes que ficarão vinculados à história comercial do nosso concelho porque, com a criação desta feira, se tornaram uns dos seus maiores impulsionadores. (…)
Ao lado do mercado, armam-se barracas quer de comidas e bebidas, quer ainda de objectos que interessam à vida da agricultura. É uma feira completa, onde nada falta: nem o folgar e cantar dos novos, nem a visita do rico argentário e a presença do trabalhado humilde contratador que vai ali comprar as coisas para ganhar a vida. (…)
Feira de gado nas Fontainhas. Perto do extremo esquerdo da fotografia, quase em último plano, vê-se uma casa. Tratar-se-á da Estalagem do Torto?

Em 30 de Maio, a “Feira das Fontainhas” volta a ser tema do mesmo semanário poveiro para falar da feira anual, com certeza a primeira. É possivelmente o mesmo Cândido Manuel dos Santos quem dá largas ao seu entusiasmo pelo êxito do evento:

Foi muito concorrida a feira anual das Fontainhas, na freguesia de Balasar deste concelho, contando-se por alguns milhares as pessoas que a visitaram. De parabéns deve estar pelo êxito alcançado a comissão promotora a que preside o Sr. Joaquim António Machado, um novo cheio de vida e de prestígio, e é formada pelo Sr. Manuel Ferreira da Silva e Sá, zeloso chefe da estação, José António de Sousa Ferreira, João Ferreira de Sousa Júnior, António Lopes de Sousa Campos Furtado, João Domingues de Azevedo e Luís Murado Torres.
Por causa do movimento extraordinário das sextas-feiras de cada semana, foi alargado o caminho que da bifurcação das estradas dá para o vasto local da feira. Para esse grande melhoramento concorreram  a comissão e o Sr. Dr. Joaquim Alves Torres, abalizado advogado desta comarca, obtendo dos Srs. António Lopes da Silva e e Joaquim Martins (Azenha) o terreno. Em todo o largo da feira, apresentam-se barracas de todos os tamanhos e feitios onde se vêem relojoarias, joalharias, mercearias e fazendas, salsicharias, modas e confecções, miudezas, barbearias, hotéis (?) e casas de pasto, tamancarias e sapatarias, secções de legumes, sementes, frutas, quinquilharias, etc.
Na feira do gado estavam mais de 500 expositores de todas as freguesias deste concelho e de muitas de Famalicão, Barcelos, Maia, Vila do Conde, Santo Tirso, Esposende e Matosinhos. O gado cavalar enchia por completo o espaço da feira que lhe estava reservado. O júri era formado pelos Srs. Duarte Maria Pinheiro de Menezes, de Gondifelos; José Joaquim Domingues de Azevedo, de Rio Mau; José Fernandes Ribeiro, de Guimarães; José Ferreira da Fonte, de Rates; e Januário Ferreira de Sousa, também de Rates: reunido no pavilhão do Clube de Caçadores, levantado no largo da feira, depois de uma demorada revista passada ao gado que concorreu aos prémios, deu a seguinte classificação: à melhor junta de bois gordos, do Sr. José Faria, de Grimancelos, primeiro prémio; à imediata, do Sr. José Joaquim Machado, de Balasar, segundo prémio; à melhor junta de touros de quatro dentes, do Sr. José Araújo da Costa e Sá, de Lemenhe, primeiro prémio; à imediata, do Sr. António da Silva Lopes, de Balasar, segundo prémio; à melhor junta de novilhos, do Sr. José Alves da Costa, de Rio Mau, primeiro prémio; à imediata, do Sr. Joaquim Machado, de Balasar, segundo prémio; à melhor vaca barrosã, do Sr. António da Silva Lopes, de Balasar, primeiro prémio; à imediata, do Sr. Manuel de Azevedo, segundo prémio; à melhor vaca leiteira, do Sr. José Alves da Costa, de Rio Mau, primeiro prémio; à imediata, do Sr. Manuel Martins Pedrosa, de Amorim, segundo prémio; ao touro barrosão, do Sr. Manuel Lopes da Silva, primeiro prémio; ao imediato, do Sr. Duarte Menezes, segundo prémio.
Os prémios conferidos aos melhores expositores de gado cavalar couberam aos Srs. António Ferreira de Melo, da Igreja Nova; José da Silva, de Soutelo; e José da Silva Lopes.
A comissão promotora da feira às autoridades e outros convidados um lauto banquete, numa espaçosa garagem construída junto da residência do Sr. José António de Sousa Ferreira. Tomaram parte no banquete perto de 100 pessoas, ocupando a mesa de honra os Srs. Presidente da Câmara, Administrador do Concelho, Capitão Massano, Presidente da Associação Comercial, António Caimoto, Chefe Cardoso, etc. Fizeram-se vários brindes, tocando durante a feira, em elegante coreto, a tuna de Fradelos, Famalicão.

Isto parece mais uma exposição, um certame, misto de feira e parada agrícola. Uma feira não se faz só com oferta, é preciso procura e essa manter-se-ia fiel aos tradicionais mercados de Famalicão, Barcelos e Vila do Conde.
Houve aqui exageros, esbanjamento: quem pagava todas estas despesas? Certamente a comissão. Pelo meio do século a feira descaiu e extinguiu-se.


[1] Há um testamento de 1881 de um Domingues da Costa, proprietário das Fontainhas. Entre as testemunhas figura Ernesto Lopes Martins, “chefe da estação das Fontainhas”.
[2] MATEUS, Leopoldino – Santa Eulália de Balasar, in Boletim Cultural Póvoa de Varzim, vol. I, nº 2, 1958, pág. 189.

Balasar ou Fontainhas?

Fontainhas era uma novidade: ali não havia a actividade onde tradicionalmente as pessoas granjeavam o sustento, a agricultura; e mesmo assim prosperava.
Um tal H, no Idea Nova de 17 de Março de 1937, fala duma decisão tomada em Balasar e que felizmente se não concretizou: atribuir novo nome à freguesia, substituindo-o pelo de Fontainhas.

Tem sido por vezes objecto de animada discussão a mudança de nome da freguesia de Balasar deste concelho para Fontainhas, o seu lugar mais importante, pelo seu comércio, indústria e população da mesma freguesia. Não estranhamos esta discussão em volta da nova denominação escolhida, espontânea e livremente, pela Junta, depois de ouvir a opinião do povo de quem é representante, junto dos poderes públicos, porque já se deu o mesmo caso noutros tempos, segundo rezam as crónicas.
Antigamente, esta freguesia era constituída por duas: Santo Adrião de Gresufes, com a igreja paroquial no lugar de Além, e Santa Eulália do Casal, com a Igreja pa­roquial no lugar do mesmo nome. Como ambas fossem pequenas e de diminuto rendimento para os respectivos párocos, combinaram os habitantes de uma e outra unir-se, formando uma freguesia boa e rendosa, construindo uma nova igreja, em local mais central, sendo escolhido o terreno do actual cemitério.
Que Padroeira deveria ficar para a nova paróquia? Como a vizinha freguesia de Macieira de Rates tem por Padroeiro Santo Adrião, ficou combinado, ser Santa Eulália de Mérida, que ainda é hoje.
Como se havia de chamar a nova freguesia? Aqui divergiam as opiniões, porque cada povo defendia o nome da sua paróquia, até que resolveram dar lhe o nome de Balasar, nome que foram buscar a um lugar onde só há prédios rústicos e que fica entre os lugares do Matinho e Vila Pouca, no caminho de Gondifelos. Daí vem a denominação desta freguesia ser posterior à da sua congénere do concelho de Guimarães.
Convidado o povo da freguesia a escolher nova denominação para a sua terra, em obediência às determinações do novo Código Administrativo, mui livremente foi escolhido o nome de Fontainhas, por ser o local mais conhecido e im­portante da sua freguesia.
É verdade que a freguesia de Rates tem aí três casas; mas o resto, incluindo a estação do caminho-de-ferro, é de Balasar. Como Fontainhas já não é antiga sede de malfeitores e salteadores de prédios e de estradas, mas um local de gente honesta, trabalhadora e incansável no progresso da sua terra, é por isso digna de lhe ser prestada esta homenagem.
Por estes motivos, entendemos que, assim como os antigos foram buscar a nova denominação ao pequeno lugar de Balasar, assim os actuais paroquianos escolheram o nome do local mais progressivo para a denominação da sua freguesia. Honra lhes seja.

O P.e Leopoldino há-de fazer suas as ideias expostas, as certas e as erradas (que não são poucas), pelo que pode bem ser ele o autor do escrito.

O lugar das Fontainhas em 1936

Um breve artigo não assinado, mas bastante no estilo do P.e Leopoldino Mateus, de 12 de Novembro de 1936, saído no Idea Nova, faz uma avaliação do desenvolvimento que então se verificava no lugar das Fontainhas:


Fábrica da Cal, certamente já desactivada quando foi tirada a fotografia.

O lugar das Fontainhas, da freguesia de Balasar, deste concelho, ultimamente tem-se desenvolvido muito. Possui estação de caminho-de-ferro com grande movimento, carreira diária de camionetas, consultório médico e vai abrir uma farmácia, com o respectivo laboratório, dirigida pelos Srs. Fausto Barsa Cardoso, desta Vila, e Carvalho da Torre, de Macieira de Rates, formados na faculdade de Farmácia do Porto.
O seu comércio e indústria estão prósperos; possui vários e importantes estabelecimentos de mercearia, oficinas de calçado, funilaria e consertos de automóveis e bicicletas, fábrica de cal, de moagem e serra­ção de madeira.
A sua feira semanal, às sextas-feiras, é muito frequentada, fazendo-se bastantes transacções. Vai haver missa aos domingos na ca­pela restaurada do Sr. António Oli­veira Júnior. Tem alguns edifícios em construção e, se continuar neste progresso, não é para estranhar que, dentro de alguns anos, constitua uma nova freguesia.
Muito folgamos com o progres­so deste lugar, que outrora era um valhacouto de gatunos e salteadores.

Isto pode hoje não parecer muito, mas devia causar grande impressão na altura.


Inauguração duma Fábrica de Tecidos em 1948

No seu noticiário de 3 de Agosto de 1948 para o Idea Nova, escreveu o P.e Leopoldino:

Ontem procedeu-se à bênção da nova fábrica de tecidos, sita no progressivo lugar das Fontainhas. Presidiu à religiosa cerimónia o nosso Rev. Abade Leopoldino Rodrigues Mateus, assistindo os sócios, Srs. José António de Sousa Ferreira, José Ferreira da Silva e Sá, João de Sousa Ferreira e António Alves da Costa e suas famílias e mais pessoas.
A nova sociedade tem a firma ”Ferreiras, Sá & Costa, L.da”, fazendo a escritura no notariado da Comarca. No fim do acto, houve lauto banquete, presidido pelo Rev. Abade, que brindou à nova socieadade, desejando-lhe grande prosperidade. Tais são os votos dos homens bons da freguesia.

No artigo sobre toponímia, o mesmo P.e Leopoldino sintetizará assim o desenvolvimento da indústria nas Fontainhas:

Logo em 1880 um grupo de empreendedores, constituído por José de Sousa Ferreira Júnior, António Alves Torres, ambos de Arcos, e Manuel Lopes da Silva, da Casa de Guardes, desta freguesia, mandou construir a Fábrica da Cal (forno), ainda hoje propriedade e gerida pelo filho do primeiro societário, o Sr. José António de Sousa Ferreira.
Veio depois, em 1920, a Fábrica de Serração e Moagem, fundada pelos industriais Srs. José Domingues Cancela, José António de Sousa Ferreira, João de Sousa Ferreira, Bernardino José dos Santos, David José Rodrigues e José Fernandes Fontinha. Hoje, essa fábrica, com um grande alargamento de terreno e larga exportação de madeiras, pertence à firma Manuel Dias da Silva & C.ª.
Em 1948 é fundada a Fábrica de Tecidos pelos sócios José Ferreira da Silva e Sá, António Alves da Costa, José António de Sousa Ferreira e João António de Sousa Ferreira, todos homens devotados ao progresso do lugar e da freguesia.


Fragmento dum poema do poeta popular balasarense Celestino Miúdo, que teve honras de reprodução em impressão tipográfica e que descreve um passeio de empregados da Fábrica de Serração e Moagem das Fontainhas. 

José António de Sousa Ferreira
Industrial, político do Estado Novo, Vereador da Câmara Municipal, dirigente da União Nacional em Balasar

Em Março de 1937 entrou em funções na Póvoa de Varzim uma edilidade nova. Presidia o Dr. Abílio Garcia de Carvalho e tinha na vereação um balasarense adoptivo, de nome José António de Sousa Ferreira, genro de Manuel Ferreira da Silva e Sá. O jornal A Propaganda apresentou-o assim:

Industrial das Fontainhas, assenta-se a primeira vez nas cadeiras do Município mas a sua vida passada de honra e trabalho garante-nos a proficuidade do seu novo cargo. É um homem que todos respeitam e consideram porque é um carácter e um excelente coração.

O P.e Leopoldino menciona-o várias vezes nos seus noticiários. Integrou a comissão que criou a feira das Fontainhas, a que se encarregou de criar o cruzeiro paroquial, a duma visita pastoral.
Este vereador tinha a seu cargo as aldeias (como noutros tempos Manuel Joaquim de Almeida), mais o cemitério e o matadouro.
No Ensaio de Toponímia, diz o mesmo P.e Leopoldino que José António de Sousa Ferreira “conseguiu da câmara a abertura da estrada das Fontainhas a Rates e, sendo presidente da comissão local da União Nacional, a electrificação da freguesia e a abertura de novas estradas que muito a melhoraram”.
O Dr. Abílio Garcia de Carvalho teria nele pessoa para lhe dar muita informação sobre a Beata Alexandrina.


Largo das Fontainhas em 1949. Em primeiro plano, a casa do médico farmacêutico Arlindo Carvalho, com a respectiva farmácia. À esquerda, ao fundo, ficava a Fábrica de Tecidos.

O vereador Ferreira foi um bem sucedido pioneiro da indústria em Balasar. Embora herdasse do pai a propriedade da Fábrica da Cal (forno), foi um dos co-fundadores, em 1920, da Fábrica de Serração e Moagem e, em 1948, da Fábrica de Tecidos. Tudo nas Fontainhas.
Esta última fábrica alguma ligação deverá ter com a posterior e grande unidade fabril da Algot.
Em primeiro plano, a casa que pertenceu ao vereador Sousa Ferreira (a primeira). A mais recuada era a do seu irmão João António de Sousa Ferreira. 

José António de Sousa Ferreira era natural de Arcos e filho do professor local. A vereação de que fez parte empenhou-se no melhoramento da estrada para Fradelos pela Grandra.

O Coro Regional do Norte na inauguração da Escola das Fontainhas

A escola das Fontainhas foi inaugurada em 18 de Outubro de 1952, da parte da manhã, no mesmo dia em que, da parte da tarde, ia ser inaugurado o magnífico edifício do Liceu da Póvoa de Varzim. O Coro Regional do Norte, fundação do Dr. Josué Trocado, abrilhantou a cerimónia nas Fontainhas. O Idea Nova de 25 de Outubro de 1952 noticiou assim o evento: 

Escola Primária das Fontainhas.

Revestiu-se de grande brilhantismo a inauguração da nova escola do lugar das Fontainhas, da freguesia de Balasar, deste concelho, que já conta com cinco salas de aula a funcionar. Dignaram-se assistir à inauguração o Ex.mo Sr. Dr. Veiga de Macedo, ilustre Subsecretário da Educação Nacional, e o Sr. Governador Civil do Distrito do Porto, que eram esperados pelos Srs. Presidente da Câmara, Chefe da Secretaria, Eng. Canelas, Dr. Josué Trocado, Dr. João Costa, Pároco, Regedor, Junta e União Nacional da freguesia, professores e alunos das escolas e muito povo que acompanhou os ilustres visitantes à nova escola, que, depois de cortada a fita simbólica, foi benzida pelo Rev. Pároco, seguindo-se a sessão solene em que o Sr. Presidente da Câmara agradeceu, em nome da Junta da Freguesia, a criação daquela escola, respondendo-lhe o Sr. Dr. Veiga Macedo com um rápido discurso em que historia a fundação ou antes a transformação do posto na escola mista das Fontainhas, declarando que o Estado Novo procura difundir a instrução para combater o analfabetismo e atender às justas reclamações do povo.
Em seguida o Coro Regional do Norte, com sede nas Fontainhas, sob a regência do seu fundador e director, Dr. Josué Trocado, cantou com muita arte lindas canções regionais que foram muito apreciadas a aplaudidas pelos circunstantes.
O Sr. José Ferreira da Silva e Sá, em nome da Junta, de que é Secretário, leu uma fundamentada exposição, fazendo ver a necessidade da criação duma nova escola no lugar de Vila Pouca para evitar as grandes caminhadas das criancinhas em dias de temporal. Sua Excelência, o Sr. Dr. Veiga Macedo, ouviu com atenção a exposição, prometendo a transferência da professora da escola do desdobramento para o lugar de Vila Pouca logo que haja sala adequada para esse fim. Estavam presentes os Srs. Inspector e Delegado escolares que tomaram conhecimento dessa determinação e autorizados a cumpri-la.
Seguiu-se um lauto almoço regional que decorreu no meio de muita cordialidade, brindando os ilustres visitantes o Rev. Leopoldino Mateus e o Sr. Dr. Josué Trocado. No meio de grandes saudações, o Sr. Dr. Veiga Macedo e Governador Civil vieram para esta vila inaugurar o nosso liceu.


O Coro

O Dr. Josué Trocado (1882-1962), que criara o bem-sucedido Orfeão Povoense, organizou em Arcos o “Coro Regional do Norte, Orfeão Misto a Quatro Vozes”.
A sua fundação remonta a 1950 e, se os primeiros ensaios decorreram na sua quinta do Rego[1], posteriormente passaram para as Fontainhas, para casa do Sr. José Ferreira. Era formado por pessoas das freguesias de Arcos, Balasar, Rio Mau, Junqueira, Rates, Macieira de Rates, Gueral e Gondifelos.
O P.e Leopoldino evoca esse tempo numa notícia de 10 de Março de 1951, no Idea Nova:


O nosso amigo Sr. Dr. Josué Trocado anda ensaiando nas Fontainhas grupos de rapazes e de raparigas para formar um orfeão por elementos daquele lugar e das freguesias vizinhas. Oxalá que vingue, para educação da juventude e para cooperar na festa da imagem da Senhora Peregrina, em dia 5 de Setembro, em que devia ser sensibilizador os cânticos serem entoados não por 100, mas por 1000 pessoas, segundo as determinações da Igreja.

O coro teve actuações no Casino da Póvoa de Varzim, no Póvoa Cine, etc., tendo sido gravado na Fábrica de Tecidos das Fontainhas um concerto depois transmitido pela Rádio Renascença.
O orfeão acabou em 1956 por doença do seu maestro – longa doença provocada por uma queda.
O Dr. Josué Trocado[2] foi professor metodólogo, maestro e criador musical; frequentara a Gregoriana e tinha em razão disso, espalhada pelo mundo, gente das suas relações nas posições mais relevantes. Foi amigo de Salazar.
Nos seus noticiários, o P.e Leopoldino menciona frequentemente o Dr. Josué Trocado.


Grandiosa recepção à Imagem Peregrina de Nossa Senhora da Fátima, nas Fontainhas, em 5 de Setembro de 1951

No Idea Nova de 15 de Setembro de 1951, o P.e Leopoldino manifesta o seu grande regozijo pela recepção prestada à Imagem Peregrina de Nossa Senhora de Fátima aquando da sua passagem nas Fontainhas, no dia 5 anterior. De notar a presença de D. António Bento Martins Júnior (que era da vizinha freguesia de Arcos) e do Rev. Arcipreste.
O Coro Regional do Norte abrilhantou o evento.
Coro Regional do Norte, Orfeão Misto a Quatro Vozes, fotografado a 23 de Dezembro de 1951, antes de ir actuar no Casino. 

Não podemos deixar de louvar o povo crente de Balasar e a Comissão presidida pelo nosso Rev. Abade pela grandiosa recepção que fizeram ao anoitecer do dia 5 à bendita imagem peregrina de Nossa Senhora da Fátima. A larga Avenida da Feira estava lindamente ornamentada com belas decorações e artísticos tapetes de flores, bem como as janelas dos prédios vizinhos, embandeiradas com colchas.
No grande recinto, reuniu-se a quase totalidade das freguesias de Balasar, Rates e Macieira, com os seus párocos e organismos da Acção Católica e Confrarias de Balasar. Foram vistas também muitas pessoas dessa vila, de Bei­riz, Courel, Gueral e de outras partes. Os cânticos, dirigidos e acompanhados pelo Sr. Dr. Josué Trocado, foram ampliados por um alto-falante dessa vila.
Quando se aproximava a noite, o recinto, já iluminado, recebeu a bendita Imagem, onde a esperava o povo crente, que a vitoriava com palmas, vivas, lenços brancos, bandeiras, cânticos, orações e lágrimas. Enquanto os foguetes estralejavam nos ares, o Sr. Arcebispo, o Sr. Arcipreste e os Rev.os Párocos acompanhavam a Imagem por entre alas de crianças, adultos e doentinhos, implorando a chorar as graças da Senhora de Fátima. Foi uma manifestação rápida, mas linda, sentimental e digna da Mãe do Céu!
Já na véspera tinham ido a essa vila assistir às festas da Se­nhora as Confrarias, crianças da Cruzada, Juventude Católica Feminina, em comboio especial organizado pelo C.P. a pedido do Chefe Oliveira, o que muito concorreu para o bom êxito da recepção das Fontainhas. Parabéns a todos.

Nicho recente em honra de Nossa Senhora de Fátima, nas Fontainhas.


[1] Esta quinta, a cerca de 200 m do limite de Arcos com Balasar, tinha pelos vistos área significativa de cultivo, mas a casa é bastante humilde. Todavia Salazar terá lá estado uma ou mais vezes. A nosso ver, terá sido apenas quando veio a ver o restauro da Igreja Românica de Rates, em 1938, certamente por meados do ano. Também lá foi recebido um arcebispo, supomos que D. Manuel Mendes, de Évora, em Junho de 1954.
[2] Este poveiro é avô do Prof. Diogo Freitas do Amaral, que abre o livro de Abel Carriço com uma “nota prévia”. Existe do Dr. Josué um depoimento notável sobre a Beata Alexandrina. Ele visitara-a e preparara-se cuidadosamente para o momento, levando um conjunto de perguntas sobre matérias teológicas para lhe colocar. “Ficou encantado com a simplicidade e sabedoria com que ela respondeu a todas as suas objecções”. Tendo-lhe perguntado se ela sofria muito, obteve esta resposta: “Sim, muito, mesmo muito. Mas é um sofrimento que se não sabe explicar. Sofre-se e sente-se necessidade de sofrer mais. É um sofrer por amor de Nosso Senhor”. E a visita terminou com este diálogo:
- Faz-me lembrar, Alexandrina, o caso de Santa Teresa (de Ávila), que dizia a Nosso Senhor: “É assim que Tu tratas os amigos! Por isso tens tão poucos!...” Ao que a Alexandrina atalhou:
- E não sabe o Sr. Doutor que um verdadeiro amigo é um tesouro?!
O Dr. Josué Trocado era cunhado da conhecida poveira D. Virgínia Campos (que tinha raízes balasarenses).

Para história da Algot

A fábrica de confecções Algot, das Fontainhas, foi criada em 1966 por um industrial sueco do ramo e começou a laboração em Julho de 1967; trabalhou normalmente até 1973. Após o 25 de Abril, entrou num período conturbado, agravado talvez por problemas na fábrica-mãe, que a levou à falência em 1976.
Em 1978, foi adquirida por um marinheiro também sueco que a aguentou até 1981, altura em que abandonou o país, deixando-a afundada em dívidas.
Seguiu-se uma paragem na produção até ser adquirida, em 1983, por António Queirós, por 25.000 contos, que a manteve até 1995.
Esta fábrica e o processo lento mas imparável que conduziu à sua destruição são, na segunda metade do séc. XX, um acontecimento maior para Balasar.
A empresa teve um crescimento rápido: começada com um reduzido número de trabalhadores, em 1974 já empregava 700 mulheres, que eram trazidas de perto e de longe em dezenas de autocarros.
Fotografia aérea das instalações da Algot em tempo em que a empresa ainda laborava.

Nos anos iniciais ela devia valer uma mina de ouro para os donos. Mas foi no Verão de 1973 que aconteceu o primeiro sobressalto: um motorista sueco informou alguém que na pátria dele as empregadas da firma ganhavam uma coroa à hora, uns 30$00, enquanto as de cá ganhavam 3$50. Isso levou a uma ruidosa manifestação das trabalhadoras, uma greve: pediram 10$00 à hora. Alguém porém vaticinou: - Se se cede hoje, elas amanhã pedem 20$00. Mas decidiu-se que receberiam 9$50.
Entretanto no ano seguinte aconteceu o 25 de Abril e a dimensão da empresa tornou-a apetitosa para os activistas de esquerda do tempo, que destruíam o tecido produtivo do país em nome das suas ideias colectivistas.
Sobre este período, encontrámos num blogue algumas heroicidades de tal gente:

1 de Fevereiro de 1975 – Foi nomeado um representante da Direcção dos Serviços de Relações do Trabalho, do Porto, para mediar o conflito laboral na Algot Internacional Confecções.
2 de Fevereiro de 1975 – O patronato tenta reocupar a fábrica da Algot Internacional Confecções, na Póvoa de Varzim, sendo impedido pelos trabalhadores.
3 de Fevereiro de 1975 – O Plenário de Trabalhadores da Algot Internacional Confecções, na Póvoa de Varzim, entrega a chave da empresa ao delegado do Ministério do Trabalho, depois de 26 dias de greve.

Era o PREC em toda a sua cegueira. Mas as coisas ainda se remediaram algum tempo.
Em breve porém a Algot abria falência.
Foi depois negociada, em 1978, activo e passivo, pelo valor simbólico de uma coroa sueca. Mas o novo dono não vinha com boas intenções, queria era sugar quem lhe aparecesse à frente, até o Estado. E fê-lo enquanto pôde.
Consegui “facilmente empréstimos da banca ou dos organismos estatais, usando os financiamentos em proveito próprio ou até enviando divisas para o estrangeiro, através de subfacturação, e admitido pessoal, só com o intuito de receber subsídio por criação de emprego”[1]. Segundo uma das nossas fontes, o número de empregados chegou então a 1700.

Página inicial do artigo d’O Comércio da Póvoa de Varzim, de 31 de Janeiro de 1985.

O correspondente de Balasar para o semanário A Voz da Póvoa, em 17 de Novembro de 1981, referia-se à situação vivida na fábrica:

Causa-nos imensa tristeza ver fechados os portões da Algot, em Fontainhas.
Judas enforcou-se de remorsos por trair Cristo. Não terão remorsos essas “meninas e meninos” que, levados por demagogias revolucionárias de arautos de novas ideias abrilinas, achincalharam o antigo patrão, levando-o ao ponto de abandonar, vendendo-a, uma empresa desta dimensão?
Não quererão cantar novamente, agora, a Grândola, Vila Morena? Cantar não cantam, mas com certeza que choram a situação que perderam com as atitudes que tomaram, levados pelas palavras dos profissionais agitadores.
Que lhes sirva de lição e que seja alerta para aqueles que têm emprego certo e o não queiram perder, perdendo ao mesmo tempo o pão de cada dia e a segurança no futuro.

“Seguiu-se um ano de paragem em que os trabalhadores apenas permaneciam nas instalações da empresa, recebendo subsídios de sobrevivência da Secretaria de Estado do Emprego. Atendendo à situação caótica e indefinida, esta entidade estatal resolveu contactar vários empresários tentando negocial a empresa”[2].
António Queirós aceitou “as condições pré-estabelecidas pela Secretaria de Estado, comprou a empresa, sendo uma das principais cláusulas do protocolo entre as duas partes proceder ao fecho da fábrica pelo período de cerca de um ano, para a sua reestruturação. Neste período a S.E.E. deveria pagar aos trabalhadores o subsídio de desemprego”.
Em Março de 1983, a Algot reabriu com cerca de 200 trabalhadores, sendo no ano seguinte readmitidos mais 300. A intenção era de os ir readmitindo até à totalidade.
Leia-se agora este fragmento da correspondência d’ O Notícias da Póvoa de Varzim, 23 de Maio:

 Moderno prédio de habitação e comércio.

Na manhã de quarta-feira, dia 16 de Maio, um grupo de sindicalistas do Sindi­cato dos Trabalhadores de Vestuário, La­vandarias e Tinturarias do Distrito do Porto e um grupo de operárias ainda não reintegradas e aliciadas por aqueles tenta­ram entrar junto com as trabalhadoras e trabalhadores na Fábrica Algot de Fon­tainhas, Balazar, Póvoa de Varzim, com fins pouco claros. Já se vê que os traba­lhadores reagiram e houve confronto de trabalhadores contra trabalhadores onde os sindicalistas foram receber tratamento e aquele grupo de mais mirones que outra coisa foi dispersando com a valiosa ajuda da GNR da Póvoa de Varzim que olhou pelo bom senso e conseguiu. Tudo isto, e mais o panfleto dirigido à população, induz em erro o menos informado nestas coisas pois o Sr. Brandão Queiroz nada deve aos operários reintegrados ou não reintegrados.

A situação há-de se ter remediado. Assim, na Festa de Natal da Algot, de 1984, o novo dono pôde dirigir estas palavras de esperança aos seus funcionários e respectivos filhos[3]: 

Outro prédio recente de habitação e comércio.

Já passaram dois anos desde a data em que assumi a gerência desta empresa.
É por isso, hoje, a segunda vez que tenho a enorme felicidade de comungar convosco e com os vossos filhos a Festa de Natal.
Sou um homem que ouço, sofro e atendo, por princípio, aos pedidos e às situações, muitas vezes drásticas, dos trabalhadores.
Continuo no entanto a pensar que, ao não ceder há um ano, na permissão da entrada de todos os trabalhadores, contribuí decididamente para que a Algot se recuperasse financeiramente e dentro em breve esteja recuperada economicamente.
Há um ano trabalhavam nesta casa 220 trabalhadores. Este ano trabalham aproximadamente mais 100.
Pela razão de estarem a ser reintegrados progressivamente, foi possível chegar onde chegámos. E a situação em que nos encontramos hoje é uma situação financeiramente desafogada. E, como testemunho do que vos digo, aproveito este dia para vos anunciar que nos dois primeiros meses do próximo ano serão reintegrados todos os trabalhadores que estão em casa.
Chegando a esta altura é bom recordarmos que continuamos a fazer todos os possíveis para que vos seja pago pela Secretaria de Estado do Emprego aquilo que vos é devido. Como esse trabalho tem que ser nosso, não vale a pena alongarmo-nos sobre esse problema.
Não deixo passar em claro, nem o poderia fazer, lembrar que esses trabalhadores só virão para cá, pelo vosso esforço. Pelo vosso enorme esforço e pela dedicação que têm demonstrado pela vossa empresa.
Todos eles terão que ser, e serão, recebidos com muito carinho.
Esta casa é deles também.
No entanto, devo dizê-lo, todos eles terão que trabalhar nesta casa como vós. O melhor que puderem e souberem.
Isto é uma obrigação que exigirei de todos.
Julgo que em traços largos vos dei uma ideia da situação da empresa que todos ajudámos a construir.
Era isso que desejava. Que acreditassem na Algot, soubessem que se todos continuarem a ser os óptimos trabalhadores que têm sido até agora, de certeza que não tereis necessidade de vos preocupardes quanto ao futuro.
Para finalizar desejo a todos os convidados um Bom Natal, em especial aos trabalhadores e familiares desta nossa casa, Algot.

Estas perspectivas prometedoras já se anunciavam no artigo d’O Comércio da Póvoa de Varzim.
A Algot veio a encerrar em 1995, ao tempo da crise do Vale do Ave.
A sua história é indissociável da actuação dos sindicatos, que tiveram um reiterado papel de bloqueio e destruição. Entre os agitadores que aí vieram contam-se a Ilda Figueiredo e a Zita Seabra.
A família Algot preparava-se originalmente para investir em Mindelo. Na sua vinda para as Fontainhas entra o genro do Chefe Sá – que tinha experiência no ramo da tecelagem e que era dono de parte do terreno onde a empresa foi instalada.
Além das fontes de informação que mencionámos para esta síntese sobre a Algot, usámos um testemunho gravado de um antigo funcionário da empresa.


Na actualidade

Quem se dirige da Póvoa de Varzim para Famalicão não deixa notar, ao meio desse trajecto, que as Fontainhas são o lugar que mais se destaca pelo seu ar urbano: ergueram-se ali vários grandes prédios de habitação e comércio, há duas modernas bombas de combustível, agências bancárias, pequenas indústrias, cafés, farmácia, etc. As construções recentes convivem porém com outras quer mais antigas quer mesmo bastante modestas. O lugar possui a antiga escola primária.
Modernas instalações bancárias nas Fontainhas.

Aparentemente, o fecho da Algot não afectou muito o lugar, mas a sua expansão futura estará condicionada por uma oferta de emprego que ali fixe as pessoas.

Posto de abastecimento de combustível nas Fontainhas.


[1] O Comércio da Póvoa de Varzim de 31 de Janeiro de 1985.
[2] Ibidem.
[3] O Notícias da Póvoa de Varzim de 9 de Janeiro de 1985.